5.2.14

O caso do bicho homem

O leão, após disputar um campeonato de força com todos os animais da floresta, tornou-se o vencedor. Todo satisfeito, julgou que sobre a terra não havia outro que pudesse com ele. Convocou, então, uma reunião em plena mata virgem, recomendando que a ela comparecessem todos os animais. Esse acontecimento deu-se precisamente às 8 horas do dia, raiando o sol sobre o mundo. Uma vez todos reunidos, usou da palavra o leão. Sobre um pedestal, ao lado de dona leoa, proclamou-se rei. Soaram frenéticos aplausos. Mas o cavalo e o burro mantiveram-se em silêncio. O leão, notando a indiferença deles, perguntou-lhes:
– Por que vossas senhorias não me aclamam rei? O que há com vossas senhorias? Queiram explicar esta atitude.
Diz, então, o cavalo:
– Senhor rei, eu acho que realmente vossa excelência é arrojado e de grande bravura, mas ainda estou em dúvida quanto ao seu título, porque existe um tal de bicho-homem que vossa excelência com certeza não conhece, mas que bem poderia vencê-lo… Não custaria experimentá-lo.
O leão ficou todo perturbado com essas palavras.
Foi quando o burro, usando da palavra, disse:
– Pois eu, real majestade, era indomável, mas ele, o bicho-homem, tirou-me a prosa por completo, cheguei até ao ponto de carregar saco de picoá na garupa. Acho que com aquele vossa majestade não conseguirá nada.
O rei leão, orgulhoso e ofendido, não tendo nunca ouvido falar nessa personagem, respondeu:
– Digam aí vocês dois onde se pode encontrar esse tal de bicho-homem?
Diz o cavalo:
– Lá no baixadão é a sua casa. É lá a choupana onde ele mora com a família.
Torna o leão:
– A que horas posso encontrá-lo em casa para desafiá-lo?
Diz o burro:
– A qualquer hora que o senhor quiser.
El-Rei Leão, ouvindo essas palavras, levantou-se rapidamente do trono:
– Pois bem, seja pra já; irei encontrar-me com o tal valentão.
Dona leoa, toda nervosa, suplicou-lhe que não fosse; pelo amor dela, dos seus filhos e dos seus súditos; que não fosse, porque ela tinha já um pressentimento de que sairia vencido. Mas qual! Ele não atendeu. Quebrou pau no ouvido e desabalou numa vertiginosa carreira.
Aconteceu que era hora de trabalho e tanto o bicho-homem como o filho se encontravam a caminho. O filho na frente, levando a tira-colo uma espingarda; tinha um machado, marretas e cunhas. Mais atrás vinha o bicho-homem, com um picoá de comida e um ancorete de água. Andava sossegadamente, fumando o seu cigarrão de palha.
O leão, avistando o rapaz, julgou ser ele o afamado bicho-homem. Saltou-lhe à frente, perguntando:
– É você o tal de bicho-homem?
O rapaz, ao ver o leão naquela fúria, ficou branco de medo; mas, recuperando o ânimo, respondeu:
– Não, não sou eu. É meu pai.
– E onde se encontra seu pai?
– Vem vindo aí atrás.
O leão, então, seguiu pelo caminho na direção indicada.
Quando o homem avistou o leão de aspecto feroz, ficou um tanto perturbado.
O leão aproximou-se:
– Diga-me uma coisa, é você o tal de bicho-homem?
Ao que o outro respondeu:
– Sim, sou eu. O que queres?
O leão, contou-lhe, então, que havia sido proclamado rei das selvas, não encontrando parceiro que pudesse vencê-lo. Mas eis que tinha sido informado pelos senhores cavalo e burro de que ele, o bicho-homem, era forte e destemido. Desde esse momento sentiu despertar em si um grande interesse numa luta com ele. Vinha mesmo para lhe propor um cotejo a fim de apurarem qual o vencedor.
O bicho-homem ouviu-o atenciosamente. Depois respondeu:
–Pois bem, senhor rei, estou às suas ordens. Podemos ter o encontro desejado, mas daqui a alguns passos, pois tenho que terminar um trabalhinho; lá chegando, será coisa de poucos minutos e aí tiraremos a prova. Tenha a bondade de acompanhar-me.
O leão aceitou.
Chegando, o homem piscou para o seu filho e com o auxílio do mesmo, introduziu na cabeça da tora uma enorme cunha, que foi malhada com sustância. O leão, que nada compreendia, prestava muita atenção a tudo. O homem fez como coisa que ia abrir a enorme tora com a mão e virando para o leão, disse:
– Senhor leão, o senhor poderia, por obséquio, me ajudar um momentinho neste trabalho, pondo a mão aqui como estou fazendo? Logo a tora racha e aí então, daremos início ao cotejo.
O leão, prontamente, levou a para à greta da tora e fazendo força, parecia querer quebrar a tora de uma vez.
O filho do bicho-homem, vendo que tudo estava pelo melhor, deu, com a cunha, uma pancada na marreta, que saltou longe, fechando-se rapidamente a brecha. O pobre leão, com a pata presa, principiou a urrar de dor.
Disse-lhe, então, o bicho-homem.
– Com que então, seu patife, você veio acabar com a minha vida?
E antes que o leão respondesse:
– Agora experimente essa guatambu.
E, empunhando uma enorme vara de guatambu, auxiliado pelo filho, principiou a malhar. Pancadas e mais pancadas, urros e mais urros. O coitado do leão não agüentava mais, já estava em pandarecos e sem poder se defender. Então, rogou ao bicho-homem que o soltasse, jurando que nunca mais voltaria a importuná-lo.
Pobre leão! Quase morreu, ficando num estado lastimável!
Solto, afinal, embora muito machucado, ia se retirando rapidamente; e já estava longe, quando o filho do bicho-homem desfechou-lhe um tiro que o atingiu nas virilhas.
Chegando ao reinado, causou a todos muita pena o estado do fanfarrão, que urrava e se contorcia de dores.
À custo, relatou o fato aos presentes, referindo-se aos maus tratos a que fora submetido. E terminou dizendo:
–Mas o que mais me assustou foi o espirro do filho dele, credo! Olhe que eu já estava bem longe e ainda me atingiu nas virilhas! Começou a tirar bagos de chumbo e mostrar aos companheiros. Nunca vi coisa tão horrível! Antes lá não tivesse ido! Como me arrependo!
Desde essa ocasião, ficou El-Rei Leão sabendo que acima dele existe o bicho-homem, que ele não pode dominar, pois o bicho-homem dominará sempre.

Nenhum comentário:

Posts Relacionados